terça-feira, 24 de março de 2015

As flores podem mudar as pessoas. Nunca pra pior.

Quando começamos a melhorar aquele espaço a que demos o nome de horta, e que para sermos corretos estaria mais para um jardim de utilidades, fomos falar com os vizinhos do muro verde. Eles autorizaram a limpar mas não imaginavam que pegaríamos na enxada pra valer e pra deixar o espaço realmente mudado. Quando perceberam a movimentação vieram reclamar. Disseram que se plantassem árvore iriam cortar e que não deveríamos plantar absolutamente nada grudado no muro deles. Argumentei: mas e se plantássemos capim santo (sempre ele, santificado seja)? Não, vai juntar lixo, vai tapar a saída d´água. - Mas e se plantarmos então hortelã que é rasteirinha? - Deus me livre cheiro de hortelã no nariz, não gosto nem de quibe. - Mas, mas, mas... Não teve acordo.

E aí, aos poucos os cosmus da horta foram dando flores, sementes. Aos poucos fomos mantendo aparada a grama beirando o muro ao mesmo tempo que eu ia, como quem não quer nada, como se fosse coisa espontânea, espalhando sementinhas de cosmus bem rentes ao muro. Aos poucos foram abrindo florzinhas e mais florzinhas. E o hoje torna o caminho tão agradável.

Antes era assim. Veja o canteiro onde hoje plantamos capim santo - foto lá em cima
(era tomado de braquiária em moitas)
O caminho hoje. E os vizinhos não reclamaram mais. 
Com o boato de que havia moradores contra a horta, tomei coragem, chamei minha vizinha de parada e lá fomos nós bater na casa do muro verde para saber se estava tudo bem, se estávamos incomodando, se estavam chateados com a horta. Qual foi nossa surpresa quando a moradora disse que não, que estava tudo certo, não incomodava em nada. Ufa! Só tinha um problema.. Putz, lá vem. - Vamos reformar o muro e talvez tenhamos que mexer um pouco nas flores, mas o pedreiro já disse que vai dar pra protegê-las com plástico. Saímos de lá aliviadas, felizes.

O poste com a lixeira e o caminho que não havia
O poste com a lixeira (escondida) e cisterna e o caminho com grama e flores



Outra situação: cheguei em Euclides da Cunha, Bahia,  para dar oficinas para as merendeiras e a primeira coisa que vi foi um jardineiro capinando todas as flores. Comecei a fotografar e achei o homem com cara de bravo. Parei de tirar fotos e fui conversar com ele. - Eu só estava tirando fotos porque acho tão bonitas estas flores. Por que está arrancando? - Não é flor, não. É mato. - É mato, mas tem flor e é tão bonita, tem tanto dela por aqui. Acho linda. - Ié? ele indagou. - Embeleza a escola, disse eu. - É, até que é, mas pediram pra tirar e eu obedeço, né? - O senhor podia deixar ao menos um canteirinho... - Não, pediram pra deixar o terreno limpo.

Este páteo era forrado de flores que foram substituídas pela nudez escancarada
E ele continuou a capina por todo o período em que estive lá. No dia seguinte, quando estava na cozinha, alguém me chamou. - Estão chamando a mulher. É o jardineiro. Fui até a porta e o jardineiro, fiquei sabendo que se chamava Pelé, já foi cumprimentando e contando a novidade feliz. - Ó, eu falei com o homem que a mulher gostava das flozinhas e ele deixou ficar este canteirinho. E não é que ficou bonito mesmo? - Fiquei emocionada, claro. 

O Pelé começou a achar bonitas as florzinhas de Turnera subulata, que em Uauá é conhecida como "malva branca",  e em Euclides, de mato. Todas as merendeiras a conheciam como mato.

Pelé disse que achou bonito o canteiro que conseguiu deixar graças ao meu pedido

Perguntei pra elas a diferença de flor e mato. - Mato é a planta que não tem nome, igual pé de pau.  Em alguns lugares é chamada também de chanana. Expliquei que toda planta tem nome e sobrenome, o que acontece é que às vezes a gente não sabe.

Arrumei o beiju com as flores de mato e o café antes de começarmos os trabalhos




13 comentários:

Sandra Mara disse...

Olá Neide! Acho lindas estas e outras flores que vejo à beira das estradas aqui no Sul. Só fico com vontade de vê-las mais de perto, mas não há acostamento nas rodovias daqui. É uma questão de treinar o olhar e esclarecer a quem não tem informação. E isto você faz como ninguém. Achei linda a transformação que fizeram no muro verde e a horta também. Bjs

Juni disse...

Neide, que emocionante estas histórias... Muito bom saber que tem gente descobrindo a maravilha de contemplar a natureza bem ao nosso lado!
A propósito, essa planta que eles chamam de "mato" e estavam arrancando, essa é a bendita flor do guarujá que eu perguntei se era a malva de comer, você se lembra?... Linda coincidência.
E aí? Essa daí pode comer ou não?
Beijos...

lili disse...

Sua determinação sempre me emociona.Desiste não, Neide!

Selma disse...

Uma praça limpa, organizada, colorida e cheirosa. Como alguém pode não gostar!?

Unknown disse...

Quando morei no mini sítio em Salvador, os vizinhps implicavam com as árvores! A do lado, que tinha cimentado a maior parte da terra, reclamava que as folhas de um cajueiro próximo ao muro "sujavam" o chão lá dela, mas cansei de vê-la e aos filhos, com uma lata numa vara, pegando cajús... Outro, passando em frente da casa, perguntou, "Moça, pra que tanto pé de pau?" E ninguém pareccia entender que, além de frutas, eu tinha sombra, muita sombra pra aliviar o calor...
bijo,
adelia

marta disse...

Oi Neide,
Quase me faz chorar, só a foto da Dede no meio da horta me fez sorrir. Porque será que sempre nos deparamos com pessoas ranzinzas, insensíveis e de mal com a vida? Porque será que este pessoal do "jornal"não colocou fotos da horta comunitária ao lado da foto de como era antes este terreno baldio? Que tal fazer um cesta com as flores, ervas aromáticas e capim santo e oferecer a este casal? Pena não ter vizinhos como os que você tem ai e esta horta comunitária aqui perto de mim. Abraços

marta disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Neide

Segue um link de uma notícia de hoje no UOL, sobre as intervenções que os moradores do Rio estão fazendo e transformando espaços públicos em hortas comunitárias. Bacana demais.(não sei se vai dar para linkar, se não der veja no site do UOL)

http://tvuol.tv/bpdcCL

Carlos Romano

silvia lopes disse...

Que bom que mudanças existem! E aí são duas transformações maravilhosas: tanto a mudança de posição de seus vizinhos com relação à horta como a transformação do terreno em espaço comunitário útil e belo!

Sarah Li disse...

Olá Neide!
Faz tempo que sigo o seu blog, em silêncio, mas hoje depois de ler esse post pensei que deveria deixar aqui registrado o meu encantamento pelo seu trabalho tao inspirador.
A familia da minha mae é de Euclides, e eu, desde Espanha, me emocionei bastante com essa história tao bonita, de luta e delicadeza.

Um abraço

Neide Rigo disse...

desculpe-me pela falta de respostas individuais. Tenho lido todas as mensagem e fico emocionada com cada uma delas. O assunto tomou uma proporção inimaginável e passei estes últimos dias dando entrevistas sobre a horta. Por isto não estou tendo tempo de postar nada nem responder. Obrigada pelo apoio! Logo logo posto a continuação desta história. Um abraço, n

Marcelo Vieira disse...

A horta da vizinhança ganha repercussão nacional. Triste ver como o monstro da burocracia ganha força pra azedar iniciativas tão importantes.http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2015/03/28/burocracia-e-discordia-ameacam-horta-comunitaria-na-zona-oeste-de-sp.htm

GraziellaCommisso disse...

Já comentei no outro post que você escreveu sobre a horta e esqueci de dizer que bateu uma tristeza imensa quando a vizinha disse que se plantassem árvores, ela iria cortar.
Por que? SP não estão suficientemente cinza e poluída para ela? Ela não sabe a sorte que tem de ter vizinhos como vocês. Talvez ela mude também e consiga ver os benefícios da horta na vida dela, vamos esperar, não é? Eu iria amar ser vizinha de vocês!
Graziella